AS ESCOLAS JAPONESAS COMO
ESPAÇOS DE CONSTRUÇÃO DA ETNICIDADE DO IMIGRANTE
No campo de discussão do ensino de história
diversos autores, entre os quais, Lana Mara de Castro Siman (2005) apontam para
o processo em que os alunos, desde cedo, formam suas representações sociais a
partir das práticas cotidianas que os cercam. Esses conhecimentos prévios são
entendidos como fundamentais como pontos de ligação para o ensinar história,
pois é a partir deles que o ensino escolar se torna significativo para a vida
do aluno, isto é, “[…] na relação sujeito/objeto inerente a todo ato de conhecer,
o quadro conceitual ou o marco assimilador do sujeito desempenha um papel
fundamental na seleção, organização e na construção de sentidos das informações
com as quais o sujeito entra em interação.” (2005, p. 350-351).
Nesse mesmo sentido pode-se argumentar que os
indivíduos constroem suas identidades a partir das representações sociais que
são fruto de suas vivências. Tendo isso em vista, o presente texto busca
analisar como as escolas japonesas atuaram na construção de um sentido
específico de história entre os imigrantes e descendentes japoneses (nikkeis),
sendo que tal visão de história se remeteu aos padrões japoneses criados no
processo de modernização e construção do Estado-Nação Japão em 1868. Essa
educação japonesa se baseou no que é chamado de xintoísmo de Estado, em que o
imperador ocupou um papel central. Com a imigração oficial para o Brasil a
partir de 1908, vários desses padrões educacionais japoneses foram reproduzidos
nas escolas em território brasileiro e se voltaram para o grupo étnico,
portanto, entender esse processo ajuda a entender tanto a escolarização de um
grupo minoritário quanto o papel da escola e do ensino de história como
importantes elementos para a formação da etnicidade e coesão social.
Uma
educação nacionalista
Em 1868 com o processo de Restauração Meiji
existiram diversas batalhas políticas para a definição dos novos quadros
educacionais na construção do Estado-Nação, um dos aspectos chaves de discussão
pelos políticos e intelectuais japoneses foi a própria definição do que era ser
japonês. Esse problema advinha da fragmentação territorial e das disputas
durante o período anterior (Tokugawa) em que a lealdade dos indivíduos esteve
mais ligado aos senhores de terra (Daimiô) do que a um poder central. A questão
que se colocou em 1868 foi a de tornar a nação coesa, moderna e soberana frente
ao perigo do “outro” representado pelos ocidentais, sendo a educação e a
história importantes ferramentas para a unificação da definição do que era
entendido como um “japonês”.
Conforme aponta Benjamin Duke (2009) se os
historiadores designam o começo da modernidade no Japão a partir de 1868, os
estudiosos da educação designam 1872 como o início da modernização da educação
japonesa, pois é quando se deu o desenvolvimento dos primeiros planos
educacionais. Cada proposta educacional que foi debatida nos círculos
acadêmicos e intelectuais buscou ressaltar pontos específicos de como o Japão
deveria ser organizado. De uma forma resumida o autor pondera:
"Durante a década de 1870, isto é, a
primeira década após a Restauração, o novo sistema educacional foi designado e
implementado por uma incipiente burocrácia profundamente marcada pelo modelo
Americano. Em reação, durante o começo da década de 1880, os conselheiros
imperais inventaram uma teoria da educação moral para as escola públicas
baseada na tradição cultural japonea profundamente influênciada pelos conceitos
confucionistas. Issto marcou a primeira tentativa de balancear os propósitos
educacionais que predominaram na década de 1970. Um compromisso final emergiu
com o Edito Imperial de 1890 que almagava elementos ocidentais e
orientais." (DUKE, 2009, p. 6).
A proposta implementada em 1890 com o Edito
Imperial de Educação durou até a derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial,
esse programa político enfatizou o papel do imperador como aglutinador da
nacionalidade japonesa. Para a definição dessa identidade, foram produzidos
diversos materiais escolares para o ensino da história da Nação, entre tais
textos, Fridell Wilbur (1970) destaca os “textos éticos” (shushin) que
enfatizavam a familiriazação da história da nação com a história do trono
imperial. Dessa forma, o ensino de história do Japão se confundia com a
história mítica da família imperial, cuja referência essêncial foi o Kojiki de 712 d.C.
De acordo com Covington Scott Littleton
(2010), o Kojiki foi compilado a pedido do clã Yamato por um cortesão chamado
Ono Yasumaro, que buscou realizar a genealogia dos principais clãs que
dominaram a vida política no Período Nara (710-794 d.C.), no qual foi
enfatizada a descendência do clã de Yamato com Amaterasu-o-mi-kami (uma das
principais divindades do xintoísmo, cujo seu descendente Jimmu se tornou o
primeiro imperador. Na narrativa mitológica a sucessão se mantém até o atual
imperador), essa foi uma forma de estabelecer a supremacia sobre os demais clãs
e, durante a modernização, definir quem deveria ser considerado japonês.
Conforme sugerido, essa narrativa xintoísta
da história do Japão se tornou oficial e gradualmente penetrou nas instituições
de ensino durante a primeira metade do século XX (embora existiram intelectuais
que pensaram a história japonesa sob outros prismas, ver LUIZ (2019) e
DUKE(2009)). Tal “invenção de tradição”, em termos hobsbawnianos, impós um tipo
ideal de japonês e colocou nas margens os grupos minoritários e a própria
diversidade interna da sociedade japonesa (PNHEIRO, 2009), isto é, nos
ambientes escolares grupos como os okinawanos, ainus, indivíduos de outros
países, etc. não tinham espaço como
contribuintes da formação da idendidade japonesa.
Dentro das escolas o documento que
materializou essas ideias foi o Edito Imperial de Educação (1890), cujo
conteúdo era lido solene e ritualemnte em ocasiões especiais como feriados
nacionais. Além disso, devia ser estudado como parte do currículo obrigatório
nas disciplinas de Moral e História (ocupando um lugar de mestra da vida)
japonesas desde o ensino primário. Em termos de conteúdo, o ponto principal do
edito é a sequência de virtudes que devem ser cultivadas, cujo objetivo
principal foi criar “súditos” que deveriam “respeitar a Constituição e as
leis”, além de, “em caso de emergência, oferecer-se corajosamente ao bem
público”. Além disso, o documento é um texto pequeno e deveria ser lido
solenemente e até decorado pelos alunos. A intenção desse grande esforço era
naturalizar o discurso nacionalista como algo que sempre existiu e, ao mesmo
tempo, incentivar a harmonia social por meio das qualidades a serem
desenvolvidas por todos em prol do bem público. Efetivamente, desenvolver as
qualidades morais contidas no edito não foi apenas um dever cívico dos
japoneses, pois essa tarefa foi apresentada como um dever sagrado em honra aos
ancestrais fundadores da nação.
O edito em si foi considerado sagrado, pois
incorporava a vontade e a figura do imperador divino, portanto, uma séie de
regras de manuseio e preservação foram elaboradas. Segundo Shimazono (2009, p.
103):
“O protocolo para evocar a imagem imperial e
o Edito se tornaram gradualmente mais rígidos, pois foram investidos de caráter
sagrado. A partir da década de 1890, cada prefeitura criou regras para seu
armazenamento, chamadas de Para o Armazenamento das Cópias da Imagem Imperial e
do Edito de Educação (Gyoei narabini chokugo tōhon hōzō kitei 御影並勅語謄本奉蔵規程). Além disso, seu altar se tornou um lugar
sagrado e um número crescente de províncias disponibilizou pessoas próximas a
ele para protegê-lo. Eventualmente, passou a ser visto como algo para se
proteger, mesmo às custas da vida de alguém.”
É interessante comparar esse aspecto sagrado
com o relato de Kitagawa (1990) presente no artigo “Algumas reflexões sobre a
Religião Japonesa e sua Relação com o Sistema Imperial”; o último tópico desse
artigo é significativo, intitulado “Epílogo – Uma Perspectiva Autobiográfica”.
Como fica sugerido pelo nome, nessa seção o autor (1990, p. 169) mostra como
seu “[…] ensaio sobre a religião japonesa e sua relação com o sistema imperial
está inextricavelmente ligado às minhas próprias memórias de infância [...]”.
Algumas experiências relatadas nesse tópico são reveladoras, como um evento no
qual o diretor da escola primária onde Kitagawa estudou, durante a década de
1920, teria sido demitido devido a uma “pronúncia errada” (KITAGAWA, 1990, p.
170) do Edito. Segundo o autor, o diretor tinha grandes responsabilidades em
relação aos objetos imperiais.
“O diretor da escola preservou o edito não
apenas lendo e implementando seu programa, mas protegendo o texto. Um dos
deveres extremamente importantes do diretor era guardar constantemente a pequena
casa de ferro entesourada no pátio da escola, no qual era mantida uma cópia
oficial do decreto, assim como retratos do imperador e da imperatriz. Esses
retratos foram exibidos cerimonialmente em ocasiões importantes para que as
pessoas pudessem reverenciá-las.” (KITAGAWA, 1990, p. 170).
Além disso, o diretor deveria fazer diversos
discursos públicos (no presente caso, durante a semana de luto nacional após a
morte do Imperador Taisho, em 1926) sobre a importância do patriotismo e da
lealdade ao imperador. Esse grande esforço empregado na devoção imperial fez
surgir um conjunto de histórias (fantasiosas ou não) nas quais diversos
indivíduos eram punidos por danos aos símbolos imperiais. Essas histórias
aparecem em muitos estudos como exemplos da extrema devoção japonesa ao
imperador e a importância da lealdade para os japoneses. Além da relatada por
Kitagawa, há outras histórias descritas por Benedict (1972, p. 130) de
diretores que se suicidaram depois que incêndios em suas escolas ameaçaram o
retrato imperial ou de professores que morreram tentando salvar esses objetos.
Em certo sentido, tais histórias, independentemente se verdadeiras ou falsas,
serviam para dar exemplos de conduta moral e nacionalista para os japoneses.
Do ponto de vista dos usos, a mensagem
contida no Edito serviu como base para a elaboração de diversos materiais
didáticos, inclusive de acordo com o site do Ministério da Educação japonês:
“[…] muitos livros didáticos ofereciam o texto completo do Edito Imperial de
Educação no início de cada volume, e em livros didáticos para o ensino
elementar superior, um volume ou uma parte do volume era geralmente dedicada a
uma interpretação do Edito Imperial” (MEXT, 2018).
Portanto, os imigrantes que vieram
oficialmente ao Brasil a partir de 1908 tiveram vários contatos com essas
ideias ao longo de suas vidas. E ao terem seus filhos em terras brasileiras
buscaram educa-los segundo os padrões japoneses aprendidos em meio a esse
nacionalismo. Dessa forma, as escolas japonesas no Brasil da primeira metade do
século XX usavam materiais que se remetiam ao “ser japonês” construido a partir
da figura do imperador, do nacionalismo e do xintoísmo.
Dessa forma, a construção das escolas
japonesas no Brasil não tinha apenas o propósito de serem instituições de
ensino, mas sim centros sagrados da organozação comunitária étnica. De acordo
com Takashi Maeyama (1973) as escolas eram espaços centrais na organização da
colônia japonesa, em que se realizavam discussões políticas, faziam-se reuniões
e “[...] levavam-se a efeito todas as espécies de cerimônias” (MAEYAMA, 1973,
p. 436). Além disso:
“Nas comunidades japonesas no Brasil, a
escola japonesa servia como centro espiritual, emprestando uma atmosfera
religiosa pelas práticas do culto ao Imperador, convertendo-se,
consequentemente, em um tipo de santuário do ujigami (deidade padroeira) da
comunidade. Ela era sagrada. A escola era o santuário, o Imperador a deidade, e
a sutra sagrada era a Escritura Imperial sobre Educação. Dessa maneira, o culto
ao Imperador se assemelhava estritamente ao culto aos antepassados. Mesmo nos
anos de 1950 e 1960, em diversas escolas japonesas ainda se observavam essas
mesmas práticas (Koya no Hoshi, n°42, junho de 1957; n°55, agosto de 1959; e
muitas outras fontes em publicações, observações e entrevistas.)” (MAEYAMA,
1973, p. 437 – grifos no original).
Em termos de ensino de história, o xintoísmo
de Estado transmitiu a ideia do Japão como centro do mundo, no qual, os
japoneses seriam o povo eleito para governar. Inclusive, em museus dedicados a
imigração japonesa, como o Museu de História da Imigração Japonesa do Paraná em
Rolândia (PR) há documentos na exposição permanente em que é possível ver tais
ideias em, por exemplo, um mapa mundi tendo o Japão como centro.
Na historiografia sobre as escolas japonesas
em trabalhos como A escolarização da comunidade nipo-brasileira de Registro
(1913-1963), da historiadora Selma da Araujo Torres Omuro é destacado a
presença de quatro elementos importantes do nacionalismo japonês nas escolas: a
bandeira, o hino japonês, a foto do imperador e o Edito. Ainda sobre os
materiais didáticos usados por imigrantes no Brasil, Lesser argumenta que, de
uma perspectiva comparativa, durante a década de 1930, “[...] o número bruto de
material japonês superava em muito o importado da Itália, apesar de a colônia
japonesa ser muito menor” (LESSER, 2001, p. 167).
Nesse sentido, entendemos que a preservação
do edito, no Japão e no Brasil, pode ser explicada pela maneira com que o
discurso do Edito influenciou na construção da ideia de nação japonesa. Isto é,
no Japão pós-Segunda Guerra Mundial, há uma ruptura direta por meio das
tentativas de remover o discurso nacionalista das instituições públicas.
Entretanto, no Brasil essa ruptura não ocorreu da mesma forma, pois, apesar das
dificuldades enfrentadas, ainda haviam maneiras de manter certas práticas
ligadas à identidade japonesa nacionalista. Esse fenômeno apresentou
repercussões significativas em termos de etnicidade. No caso dos nikkeis que
têm essa consciência de pertencimento, ao preservar o edito e, portanto, o
discurso nacionalista japonês, o imigrante assumiu aspectos de uma identidade
estereotipada do seu país de origem.
Considerações
finais
O texto teve como objetivo apresentar
aspectos particulares que influenciaram a criação das escolas pelos japoneses,
sugerimos que tais aspectos estavam profundamente ligados com a forma que a
própria educação japonesa foi construída durante o processo de modernização e
formação da identidade no Japão. O programa educacional implementado reforçou
uma identidade japonesa frente ao “outro” ocidental, relegando as próprias
diversidades da sociedade japonesa para as margens. Os imigrantes que chegaram
ao Brasil foram educados em tal sistema, e buscaram recriar muitos dos seus
elementos visando a educação de seus filhos. Dessa forma, sugerimos que o
ensino de história ocupou um papel fundamental na construção da identidade
desses nikkeis no Brasil, pois manifestou um sentido particular de
pertencimento da comunidade étnica.
Referências
Leonardo Henrique Luiz é mestre em História
pela Universidade Estadual de Londrina, Londrina – PR, doutorando pelo Programa
de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá, Maringá – PR.
Membro do Grupo de Pesquisa sobre Cultura Oriental na Universidade Estadual de
Londrina (GPECO) e do Laboratório de Estudos em Religiões e Religiosidades da
Universidade Estadual de Maringá (LERR). E-mail de contato: leonardo_luiz8@hotmail.com.
Parte das discussões presentes no artigo são provenientes da dissertação de
mestrado do autor (LUIZ, 2019).
BENEDICT, Ruth. O Crisântemo e a Espada:
Padrões da Cultura Japonesa. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1972.
DUKE, Benjamin. The
History of Modern Japanese Education: Construction the National School System,
1872-1890. Nova Jérsei: Rutgers University Press, 2009.
FRIDELL, Wilbur M..
Government Ethics Textbooks in Late Meiji Japan. The Journal of Asian Studies,
v. 29, n. 4, p. 823-833, p. 1970.
KITAGAWA, Joseph M.
Some Reflections on Japanese Religion and Its Relationship to the Imperial
System. Journal Japanese of Religious Studies, v. 2-3, n. 17, p. 129-178, 1990.
LITTLETON, Covington
Scott. Conhecendo o xintoísmo: origens, crenças, práticas,
festivais, espíritos, lugares sagrados. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
LESSER, Jeffrey. A negociação da identidade
nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no Brasil. São Paulo:
Editora UNESP, 2001.
LUIZ, Leonardo Henrique. O Espírito de
Yamato: o Xintoísmo de Estado e o Kyoiku Chokugo na formação do nacionalismo
japonês e a imigração para o Brasil (1890-1980). Dissertação (Mestrado em
História Social) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2019.
MAEYAMA, Takashi. O antepassado, o imperador
e o imigrante: religião e identificação de grupo dos japoneses no Brasil rural
(1908-1950). In: SAITO, Hiroshi; MAEYAMA, T. (Org.). Assimilação e integração
dos japoneses no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1973a. p. 414-447.
MEXT. Education after
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em:
http://www.mext.go.jp/b_menu/hakusho/html/others/detail/1317326.htm
Acesso em: 05 de abr. de 2020.
OMURO, Selma da Araujo Torres. A
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(Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
PINHEIRO, Elisa Massae Sasaki. Ser ou Não Ser
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no Contexto das Migrações Internacionais do Japão Contemporâneo. 2009. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais) - Unicamp, Campinas.
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Meus cumprimentos, Leonardo! Seu artigo é enriquecedor tendo em vista os poucos estudos sobre imigração japonesa no Brasil ou da própria história japonesa difundidos em nosso meio acadêmico. Parabéns pela pesquisa!
ResponderExcluirNo que diz respeito à preocupação do governo japonês, frente as mudanças ocorridas na Restauração Meiji, com a presença da cultura dita "ocidental" em seu país, num salto comparativo à realidade brasileira da visão esteriotipada do Japão, dirijo minha pergunta com base nos estudos do orientalismo de Said. Como você enxerga a visão da sociedade brasileira sobre o japonês como o "outro" oriental e como esses esteriótipos dificultam a compreensão sobre essa cultura presente a mais de cem anos em nosso país? E como iniciativas como o MEXT (caso saiba do que se trata) podem contribuir para uma mudança nos paradigmas orientalistas, no que diz repeito à intercâmbios de brasileiros às universidades japonesas?
Renan Lourenço da Fonseca
Boa tarde caro Renan, muito obrigado pelos comentários e perguntas. Acredito que os diversos estereótipos dificultam bastante o trabalho, mesmo que muitas vezes sejam estereótipos que as pessoas achem "positivos" como: japoneses são todos bons estudantes; não existem japoneses pobres; etc. Isso dificulta, pois acabamos comprando uma visão que apresenta apenas os que obtiveram sucesso com a imigração e não vendo os muitos indivíduos que não se encaixam nesses padrões idealizados. Por outro lado, diria que o "estranhamento/distanciamento" (no sentido gizburgiano) ajuda a percebermos fenômenos que para alguém daquele meio é tido como natural (por exemplo, é extremamente importante pesquisadores não-descendentes discutirem essa temática, pois o olhar de fora evidência tendências normatizadas).
ExcluirNesse sentido, é muito bom ver iniciativas como a do MEXT. Embora sejam menos acessíveis para as ciências humanas, elas dão importantes ferramentas para os brasileiros interessados no tema, tanto na oportunidade de estudar em instituições japonesas como de melhorar o conhecimento no idioma japonês (aspecto fundamental para novas abordagens nos estudos de imigração), acredito que tais estudos possibilitem oportunidades de mostrar as incoerências dos esteriótipos.
Olá professor Leonardo! Lindo trabalho sobre as escolas japonesas dentro das comunidades nikkeis. Muito enriquecedor conhecer sobre as diretrizes da educação japonesa provenientes do final do século XIX e todo o apego dos nipônicos ao nacionalismo e a adoração a figura imperial.
ResponderExcluirDesta maneira, sigo com a minha pergunta. Com o processo de imigração ao Brasil, consequentemente a importação do modelo educacional, o estabelecimento de escolas e a imposição não somente do ensino da língua japonesa, mas também da "formação do japonês", como se desenvolveu o nikkei dentro deste cenário? Quais os conflitos que os descendentes nipônicos foram submetidos a uma educação étnica e ao mesmo tempo inserido em uma sociedade distinta de sua cultura originária?
Att.
Renata Sayuri Sato Nakamine
Boa tarde cara Renata, obrigado pelas perguntas e comentários. As perguntas são bastantes complexas e levam a uma reflexão e análise demorada, mas de maneira resumida me parece que com a importação do modelo educacional japonês grande parte dos isseis e nisseis que estudaram, principalmente, até a década de 1970 e até 1980 acabaram tendo toda uma formação inicial visando a construção de um japonês nos moldes nacionalistas pré-guerra. Digo isso, pois com a derrota na Segunda Guerra Mundial os japoneses residentes no Japão passaram por um "choque" em que os padrões nacionalistas foram desconstruídos (pela imposição da derrota), enquanto que no Brasil existiu todo um contexto de negacionismo (por exemplo com a Shindo Renmei) e uma maior continuidade dos padrões educacionais nacionalistas. Isto é, de certa forma, parte dos nikkeis no Brasil se mantiveram mais "tradicionais" (nacionalistas) do que os japoneses no Japão.
ExcluirOs conflitos foram de uma amplitude bastante larga, acredito que o principal foi relacionado com a construção da identidade que levou a inúmeros outros embates como a Shindo Renmei. Na medida em que esses nikkeis estiveram "prensados" entre as duas nacionalidades, as propostas de análise do Jeffrey Lesser na "Negociação da Identidade Nacional" me parecem extremamente pertinentes nesse sentido, pois as pessoas tiveram que de fato "negociar" suas práticas e identidades muitas vezes tendo por um lado a pressão por uma manutenção da cultura japonesa e por outro a adoção da cultura brasileira.
Olá Leonardo. Parabéns pela sua pesquisa!!! Eu trabalho com a história das escolas italianas no Paraná, e seu texto apresenta muitas reflexões semelhantes, especialmente no que se refere ao papel do Estado Italiano no processo de nacionalização pelas escolas italianas. Me chamou atenção um fragmento do seu texto, em que você afirma apoiado em um autor, que o envio de materiais didáticos pelo governo japonês superava a empreitada desta envergadura do governo italiano. Muito interessante essa constatação. Então lhe pergunto: você conseguiu localizar no Brasil, ou mesmo analisar esses livros e materiais didáticos japoneses? Obrigado e mais uma vez parabéns!
ResponderExcluirBoa tarde Elaine, muito obrigado pela pergunta. Então, a comparação é feita pelo Jeffrey Lesser, mas é possível sim localizar essas materiais no Brasil. Realizei minha dissertação sobre um em especifico chamado "Kyoiuku Chokugo" (Edito Imperial de Educação), que apesar de ser um texto breve foi usado como o principal material educacional nacionalista para as escolas (sendo usado no Japão e no Brasil também). Apesar das dificuldades da língua, também é possível acessar livros usados, entretanto esses se encontram "perdidos" em acervos pessoais de professores de língua japonesa e em instituições japonesas. Tive contato com alguns em Londrina-Paraná, sendo que alguns com uma professora de japonês que me deu aulas e que usava esses materiais durante sua infância quando estudava em escola japonesa e outros na biblioteca da Aliança Cultura Brasil-Japão, só que esse é um grande campo não explorado por pesquisadores justamente pela dificuldade do idioma e do acesso aos materiais.
ExcluirObrigado pela resposta!!! Que legal, penso que temos muito a descobrir sobre a contribuição dos imigrantes nos processos de escolarização. A temática é fascinante mesmo! Desejo que você possa realizar muitas pesquisas e publicações sobre a temática. Muito sucesso!!!
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