ESCRAVIDÃO NO PARANÁ A
PARTIR DOS ANÚNCIOS DE ESCRAVIZADOS NO JORNAL DEZENOVE DE DEZEMBRO
A pesquisa em questão, buscou problematizar o
processo de escravidão no Paraná, bem como compreender sua configuração,
buscando uma melhor abordagem da temática em sala de aula. As fontes analisadas
foram alguns anúncios de compra/venda de escravizados na segunda metade do
Século XIX no Paraná, e tais anúncios encontram-se no Jornal do período,
Dezenove de Dezembro 1855-1856.
Ao analisarmos a topografia e as questões
culturais que circundam o Paraná, alicerçadas por um discurso frontalmente
deslocado da nossa realidade histórica, podemos discutir por meio das fontes e
balizar a questão da presença da mão escrava em nosso território, dando ênfase
nas publicações dos periódicos semanais do Dezenove de Dezembro.
O Dezenove de Dezembro foi o pioneiro no
surgimento da imprensa paranaense (1° de abril de 1854), por conta disso leva
em seu nome a data da emancipação do Paraná. Sua circulação foi até 1890, sendo
que em abril de 1855 seu nome passou por uma modificação, passando a se chamar
Dezenove de Dezembro, sem a letra O no início. A princípio o Jornal tinha a
função de publicar decretos e leis, mas logo se apropriou de mais assuntos,
chegando a publicar vendas, compras e trocas de objetos. Como nesse período o
escravizado era visto como objeto de seus donos, sua presença estava marcada em
suas páginas.
O jornal como fonte, nos permite recriar
cenários de um tempo longínquo, mas sendo um testemunho histórico em sua forma
de compilação de dados. O fator determinante ao analisarmos esse periódico é o
fato da subjetividade de quem o produz e de quem o lê. O jornal em seu tempo
presente é algo informativo, trazendo a nós historiadores o papel de torna-los
em fontes históricas, sempre que possível problematizando suas narrativas e seu
contexto de produção. Como percursor de analises de anúncios de jornais, temos
o Gilberto Freyre que escreveu o livro Escravos nos Anúncios de Jornais
Brasileiros no Século XIX, onde ele faz uma análise dos anúncios e
problematizou as questões ligadas ao fenótipo dos escravizados.
“O tratamento do tema “Fontes Históricas em
sala de aula” remete, inexoravelmente, ao estabelecimentos de relações com as
atuais discussões historiográficas, porque a história, como disciplina escolar,
ainda que possua especificidades e finalidades que lhes são próprias, não
prescinde de um estreito diálogo com a ciência de referência, no caso a
história acadêmica, e com os princípios, fundamentos e métodos que regem a
pesquisa histórica. Tal entendimento não significa decretar a dependência da
história escolar em relação ao conhecimento acadêmico, tampouco toma-la como um
saber inferior na hierarquia de conhecimentos, mera vulgarização didática de um
corpo de saberes produzido pelos “cientistas”. Sem entrar no polêmico debate
que permeia este tema, é preciso admitir que os dois campos, escolar e
acadêmico, são portadores de dinâmicas próprias, as quais se relacionam com
inúmeras instâncias e dimensões, de acordo com as finalidades e especificidades
de sua atuação, razão pela qual este estudo inicia adentrando no debate
historiográfico”. [Caimi, 2008, p.129-130]
A partir da discussão em questão, pode-se
verificar a importância da utilização de fontes históricas em sala de aula, e
suas especificidades em relação a utilização na academia. Diante da
problematização do jornal podem ser difundidas inúmeras discussões,
compreendendo sua especificidade e também tornando mais consistente o processo
de Ensino e aprendizagem.
“Os documentos tornam-se importantes como um
investimento ao mesmo tempo afetivo e intelectual no processo de aprendizagem,
mas seu uso será equivocado caso se pretenda que o aluno se transforme em um
pequeno historiador, uma vez que, para os historiadores, os documentos tem
outra finalidade, que não pode ser confundida como a situação do ensino de
História” [Bittencourt, 2005, p. 328]
Porém, antes de iniciarmos a problematização
das fontes, é necessário compreendermos a temática em questão, ou seja, o
conceito de escravidão e sua relação com o estado do Paraná no século XIX.
É comum quando entramos no assunto de
escravidão, realizarmos uma rápida conexão ao Continente africano. Porém, em
alguns momentos estudamos e problematizamos o conceito de escravidão vinculado
a visão europeia do conceito. É importante ressaltar que, a escravização dos
povos africanos foi uma escravidão racial, pautada em valores e concepções do
mundo europeu, com uma configuração diferente da escravidão difundida no
Continente Africano.
A concepção de escravidão no continente
africano, não é relacionada a concepção de “propriedade” ou “coisa” como
compreendemos a escravização dos africanos através dos europeus. O indivíduo,
homem/mulher tinha uma grande importância, por exemplo, para o povo que o
mantinha como cativo, era um sinal de que a aldeia tinha grande poder de
defesa. O escravo poderia ser, por exemplo, adquirido em uma batalha com outra
aldeia, e após um período como cativo poderia ser liberto, e em muitos casos
tornava-se parte do grupo.
“A escravidão era um dos muitos meios de
relação de dependência, e era um meio eficaz de controlar as pessoas em
situações onde o parentesco continuava predominante. Os escravos não tinha
relações de parentesco e tinham apenas aqueles direitos que eram concedidos por
tolerância. Não existia uma classe de escravos. Ao mesmo tempo em que eles
indubitavelmente desempenhavam muitas funções econômicas, sua presença estava
relacionada com o desejo das pessoas, fosse individualmente ou de pequenos
grupos de parentes, de contornar as relações sociais tradicionais de modo a
aumentar seu poder. A escravidão era dessa forma, essencialmente uma
instituição própria da sociedade de pequena escala, onde a influência política
dependia do tamanho dos grupos sociais. Se lhes fosse permitido, os escravos
podiam tonar-se membros integrantes desses grupos ou podiam ser mantidos como
dependentes sem voz ativa, mas o seu bem estar estava relacionado com a fortuna
de seu senhor e sua família. Nesse contexto, as pessoas tinham escravos
juntamente com outros tipos de dependentes, mas a sociedade não era organizada
de tal maneira que a escravidão fosse uma instituição essencial. Essas não eram
sociedades escravocratas”. [Louvejoy, 2002, p.45]
A partir disso, ressalta-se a importância em
trabalhar a temática em sala de aula, discutindo e problematizando suas
especificidades, e diferentes configurações, apresentando e compreendendo
juntamente aos estudantes as diferentes formas em trabalhar os conceitos, no
caso, escravidão.
Compreendemos que o desenvolvimento econômico
brasileiro se deu a partir da mão-de-obra escrava, tanto no período colonial
quanto no período imperial. Segundo Gutiérrez (2006) no modelo agrário
exportador do Brasil o escravo foi a força de trabalho mais desenvolvida, visto
que a produção mercantil voltada para mercados regionais foi a responsável no
Paraná pela demanda de terras em abundância e de extensão comprida, desde as
primeiras décadas do século XVIII. Com isso compreendemos que no Paraná também
estava presente a mão de obra escrava. É importante ressaltar neste momento que
há a presença de narrativas lacunares a respeito desta temática, que de certa
forma invisibilizam a população negra no Estado do Paraná, ou seja, estas
narrativas defendem que no Paraná não houve escravidão, e diante disso reforçam
estereótipos que não condizem com a realidade social do estado.
É a partir desta problemática que a pesquisa
se construiu, problematizando as fontes, e discutindo a presença de escravos no
Paraná.
Inicialmente, no século XVII, foi o escravo
indígena quem preencheu as necessidades da lavoura e da mineração, e ele mesmo
foi capturado como mercadoria para venda em outras regiões. Mas nas primeiras
décadas do século XVIII, com a consolidação da pecuária como atividade
comercial e de certa forma, a diminuição da população indígena nas áreas mais
próximas, os escravos de origem africana substituíram paulatinamente o
indígena. Esta abordagem também denota a presença dos africanos no Paraná.
Olhando para o Dezenove de Dezembro, podemos
também verificar a ênfase na hora de vender o escravizado, sempre ressaltando
as qualidades:
“Vende-se preço razoáveis, bonitos moleques
para pagem, um copeiro, um cozinheiro, um sapateiro, um arreador de tropa, duas
bonitas mocambas prendadas, e mais alguns escravos, moços, sadios e reforçados.
Na rua Tabatinguera chácara de Antonio Rodrigues Duarte Ribas”
Assim como na procura quando o escravizado
fugia, ressaltando o fenótipo e as marcas que muitas vezes estavam ligadas aos
maus-tratos.
“Fugio no dia 24 de março p.p, a preta Martha
pertencente a Rodrigo José Fernandes, tendo os signais seguintes: - fula,
papuda, gorda, tem um signal no braço esquerdo. Quem a entregar na rua Fechada
n. 7, será gratificado; e protesta-se a todo o rigor da lei contra quem a tiver
acoutada”.
Toda essa análise tanto do jornal e sua
formatação, como a abordagem em seus anúncios e o espaço que ele ocupa no
cotidiano da população daquele período, é um excelente exemplo de como podemos
introduzir isso a essa problemática em sala de aula. Sempre que possível fazer a
devida apresentação de um jornal de circulação local, que esteja mais presente
na vida do estudante, e posteriormente apresentar o jornal ao qual vai ser
analisado do período histórico em questão. Essa consciência histórica deve ser
aflorada no estudante, trazendo suas percepções, suas representações no que se
refere ao seu cotidiano. Só assim, por meio desse caminho podemos ter uma
análise histórica profícua em sala de aula.
Como podemos observar, a partir das fontes, é
possível problematizarmos questões como: A presença de escravizados no estado
do Paraná, sua nacionalidade, sua condição física, sua saúde, seu valor, e até
mesmo o marketing do período em relação a sua venda ou compra.
Segundo Gutierrez (2006) não há estimativas
confiáveis sobre o número de indígenas escravizados, nem sobre os negros
importados até a primeira metade do século XVIII. Romário Martins com evidente
exagero, estima que por volta de 1630, quando os bandeirantes paulistas
assaltaram e destruíram as reduções do Guairá, no extremo oeste paranaense,
15.000 indígenas teriam sido mortos nas incursões e 60.000 vendidos e
escravizados em São Paulo e nos engenhos de açúcar nordestinos.
Já o afluxo ao Paraná dos primeiros escravos
de origem africana deveu coincidir com a fundação em 1648 de Paranaguá, no
litoral, o primeiro núcleo populacional português instalado na região, em
decorrência da descoberta de ouro nas redondezas. Não tardou muito e o metal
precioso foi também descoberto serra acima, nos campos de Curitiba. Os novos
colonos, vindos principalmente de núcleos setentrionais da capitania de São
Paulo, trouxeram possivelmente os primeiros escravos negros para trabalhar na
extração e lavagem do metal.
As vilas mais escravistas eram as mais
vinculadas ao mercado em virtude da pecuária: em Castro os escravos
representavam 21,8% da população em 1810, e vinte anos depois registrava 26,9%;
o porcentual de Ponta Grossa (freguesia subordinada a Castro) era em 1830 de 19,1%
e o de Palmeira de 31%. [Gutiérrez, 2006, p. 102]
Segundo este autor, a proporção de escravos
era baixa, embora similar à existente em outras áreas de economias internas,
como era o caso da maior parte das vilas paulistas nessa época e de Minas
Gerais durante todo o século XIX. Porém é importante ressaltar juntamente com
os estudantes, que mesmo a proporção sendo baixa, ela estava presente, e a
partir das fontes podemos constatar a presença de escravos no Paraná.
“No Paraná, nem todos os proprietários de
terras possuíam escravos. Na verdade, chama a atenção o extraordinário número
de proprietários sem escravos. Reunindo todos os donos de terras do litoral e
do planalto, mais de três quartos declararam em 1818 não recorrer ao trabalho
escravo para as lides agrícolas ou pastoris. A participação dos escravos
variava de acordo com as localidades e, mais claramente, com a atividade
econômica principal existente nessas localidades. Em Castro e Palmeira segundo
núcleos essencialmente pecuaristas, situava-se o maior percentual de
proprietários com escravos residentes, 52,4% e 39% respectivamente. Em Antonina
e Paranaguá, no litoral, as propriedades com escravos alcançavam 30,5% e 20,3%
respectivamente, sendo que o valor acima da média da primeira vila devia-se possivelmente
à presença de engenhos de arroz e numerosas engenhocas de cana e aguardente na
localidade”. [Gutiérrez, 2006, p. 103].
Com isso o autor aponta que a demografia dos
escravos também mostra no Paraná peculiaridades interessantes. Diferentemente das
economias de grande lavoura, como as votadas à exportação de açúcar e café, a
população escrava paranaense nesta época registrou padrões de crescimento
endógenos, nos quais a reprodução natural teve uma importância bem maior que a
compra de africanos. Nas primeiras décadas do século XIX, período para o qual
existem informações mais precisas, a população cativa local cresceu a taxas
anuais de 1,2%, com destaque para os escravos em idade produtiva,
principalmente entre os 10 e 40 anos.
“O modesto estoque de escravos na composição
demográfica do Paraná não pode ser menosprezado para se entender a estrutura
econômica e social da região. O Paraná, apesar do percentual baixo de cativos,
nunca superando um quarto da população total, foi uma sociedade escravista, e
sua correlação com a propriedade da terra e os usos que a ela foram dados assim
o demonstra. A introdução do escravo provocou, no Paraná, diferenciações
contundentes na produção, acumulação, disponibilidade de crédito, domínio da
terra, criação de gado, segmentação social e acesso ao poder” [Gutierrez, 2006,
p. 120]
A partir da discussão foi possível ter uma
melhor compreensão a respeito da escravidão no Paraná, suas especificidades e
sua dinâmica. Ressaltamos também a importância da fonte em sala de aula, onde a
partir de uma pequena problemática, pode-se ser realizada uma grande discussão
e problematização, consolidando o processo de Ensino e Aprendizagem, bem como o
rompimento com visões de certa forma lacunares do processo histórico do estado.
Referências
Bruno Souza da Rosa, Licenciado em História
pela Universidade Estadual do Centro- Oeste (UNICENTRO).
Edson Willian da Costa, Licenciado em
História pela Universidade Estadual do Centro- Oeste (UNICENTRO).
BITTENOURT, Circe Maria F. Ensino de
História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2005.
CAIMI, Flávia Eloisa. Fontes históricas na
sala de aula: uma possibilidade de produção de conhecimento histórico escolar?.
Revista Anos 90. Vol. 15, n.28 (Dezembro 2008) p. 129-150.
GUTIÉRREZ, Horacio. Donos de terras e
escravos no Paraná: padrões e hierarquias nas primeiras décadas do século
XIX. História, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 100-122, 2006.
LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma
história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
Fontes:
Fonte: Jornal Dezenove de Dezembro,
1855-1856.
Disponível em: Centro de Documentação e
Memória de Guarapuava (CEDOC/G).
Prezados Edson e Bruno, primeiramente parabenizo pelo texto! Fazer uso de fontes em sala de aula é essencial para que aproximemos o passado de nossos alunos. Estes indivíduos escravizados presentes nas fontes possuem história, vida e vivências. Suas famílias, laços de parentesco, sociabilidade, desejos ..., nem sempre estão entre as informações quantitativas das fontes. Como vocês propõem o ensino e a pesquisa em sala de aula tendo presente a inter-relação entre as informações das fontes e as vidas/vivências dos mesmos?
ResponderExcluirRenilda Vicenzi
Primeiramente queremos agradecer as perguntas deixadas aqui, isso enriquece muito nosso trabalho.
ExcluirCom relação ao questionamento muito oportuno da Renilda Vicenzi, sobre como trabalhar com o ensino e a pesquisa levando em conta as fontes e as vidas/vivências dos indivíduos objetificados pelo contexto histórico, pensamos em antemão fazer as devidas apresentações e contextualizações da diáspora africana, para que antes mesmo de apresentar as fontes aos estudantes, seja possível partir da consciência histórica e ressaltar as culturas e características daquela sociedade e suas relações emocionais e familiares. Pois ao trazer essa sociedade para a análise em sala de aula, com suas características na África e sua desconstrução e objetificação na América, será possível dialogar para além das fontes pautadas em dados. Essa construção critica feita previamente, oportuniza trabalhar as fontes e seus dados em um estudo humanizado.
Att: Bruno Souza da Rosa e Edson Willian da Costa
Parabéns aos autores pela comunicação! Trabalhar com fontes jornalísticas em sala de aula é de fundamental importância para reconhecer que os jornais impressos são importantes registros históricos do presente e do passado, além de possibilitar ao professor diversificar a construção do conhecimento histórico. Gostaria de saber se os autores já utilizaram as fontes jornalísticas em sala de aula? Como foi a experiência?
ResponderExcluirMayra Ferreira Barreto
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirRespondendo ao questionamento da Mayra Ferreira Barreto, sim, nós tivemos o prazer de lecionar juntos em uma oficina para alunos de 6° Ano. E podemos dizer com total certeza que foi uma experiência muito profícua.
ExcluirAntes mesmo de trabalhar com o jornal da época a qual se destinava a aula, fizemos as devidas apresentações de um jornal da atualidade impresso e digital da região, explicando sua formatação editoria e dando ênfase a seus anúncios, para que depois nós analisássemos juntos o Jornal Dezenove de Dezembro. Essa apresentação do jornal da atualidade é muito importante, visto que muitos dos nossos estudantes não têm mais contato com o jornal impresso, visto que as redes sociais estão transformando e resinificando a plataforma de informação. Ao trazer o objeto de análise para mais perto do estudante, com sua linguagem e formatação, conseguimos despertar uma curiosidade e interesse maior pelo assunto trabalhado.
Att: Bruno Souza da Rosa e Edson Willian da Costa