O ENSINO DE HISTÓRIA E AS
LEIS 10639/2003 E 11645/2008: ENTRE IMPACTOS E DESAFIOS
Introdução
A aprovação das leis 10.639 [Brasil, 2003] e
11.645 [Brasil, 2008] - que modificam a lei de diretrizes e bases da educação
brasileira [Brasil, Lei 9.394/1996] e instituem o ensino da história e culturas
africana, afro-brasileira e indígena - no ensino de história é um dos mais
importantes acontecimentos no ensino de história neste século XXI. No caso da
primeira lei, fruto das lutas dos movimentos negros brasileiros, ao longo do
século XX, representa não só uma vitória políticas desses movimentos, rumo à
derrubada do mito da democracia racial e à superação do racismo, mas também um
ponto de inflexão no ensino de história. A partir dessas leis, torna-se
possível reverter a perspectiva eurocêntrica, predominante até então, e inserir
a perspectiva decolonial no ensino de história. O impacto que as leis trazem,
como veremos nesse texto, em seu potencial de transformação no ensino de
história e, por consequência, na formação de identidades e da cidadania na
sociedade brasileira, é muito significativo.
Para dar conta do tema, após esta breve
introdução, primeiro, aborda-se o contexto anterior à aprovação da lei, as
lutas em seu favor e a aprovação; na segunda parte, pesquisas que avaliam como
está sendo a aplicação das leis nas escolas brasileiras, anos após sua
aprovação; na terceira parte, o potencial de descolonização do saber que as
leis carregam; por fim, conclui-se apontando que, mesmo com impactos positivos
inegáveis, ainda restam muitos desafios a serem enfrentados na aplicação de
ambas as legislações.
A
luta dos movimentos sociais
Sales dos Santos [2005] aborda a aprovação da
Lei 10.639/03 como fruto da luta antirracista dos movimentos negros. Ao longo
do século XX, movimentos negros lutaram pelo acesso da população
afrodescendente à educação formal, bem como pelo ensino da história da África e
suas culturas, bem como da experiência dos africanos no Brasil, que gerou a
cultura afro-brasileira.
A resistência negra manifestou-se desde o
período escravista, de diferentes formas. A mais conhecida são as fugas para
quilombos, sendo o de Palmares o mais longevo [Gomes, 2005]. Havia resistência também na lentidão no
trabalho, na negociação com seus senhores, como mostram Reis e Silva [1989], na
religiosidade e nas práticas culturais, e, em casos mais graves, até no
infanticídio e no suicídio. Muito diferente de uma imagem passada no ensino
tradicional de história, de um negro submisso, a historiografia mais recente (a
partir dos anos 1980) tem revelado que houve muita luta, negociação e
resistência, ao longo de todo o período escravista [Palermo, 2017]. A
experiência dos negros no Brasil não se restringe à escravidão, havia uma
população negra livre e liberta que, em meio ao racismo e ao preconceito,
participava da sociedade brasileira de diversas formas.
Já no século XIX, pelo menos desde a década
de 1830, existe no Brasil uma “imprensa negra”, de acordo com Pinto [2010], que
pesquisou jornais de quatro estados: Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e
Rio Grande do Sul. Entre a denúncia de abusos sofridos pela população negra
escravizada, livre e liberta e o tratamento temáticas de seu interesse, havia
já a defesa de que o negro tivesse acesso à educação. Esse clamor é reforçado
após a abolição, e com o advento da República. No século XX, ganha mais força a
imprensa negra, e são criadas várias associações, grêmios, clubes, de caráter
recreativo, político, religioso, esportivo, que buscam dar apoio aos negros, em
diversos estados do país.
Entre as vozes a clamar pelo acesso do negro
ao ensino formal, destaca-se a atuação da Frente Negra Brasileira, criada em
1931, que, de acordo com Petrônio Domingues [2007], conseguiu implantar filiais
em diversos estados, em 1936 tornou-se partido político, porém extinto pelo
Estado Novo em 1937. Nos anos 1940, temos a União dos Homens de Cor e o Teatro
experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento, fundador também do
jornal Quilombo, por meio do qual defendia a educação para os negros.
Mas foi a criação do Movimento Negro
Unificado (MNU), em 1978, em meio às lutas de diversos movimentos sociais que
emergiam, no final do período ditatorial, que deu mais força às reivindicações.
As lutas dos negros ganharam impulso não somente no Brasil, na verdade, aqui
repercutiram as lutas pelos direitos civis nos anos 1960, lideradas por Martin
Luther King, Malcom X, Maia Angelou, Angela Davis e Panteras Negras, e os
movimentos de negritude e pan-africanismo, que fomentaram a descolonização dos
países africanos do jugo europeu. Entre as várias lutas do MNU, destaca-se o
combate ao mito da democracia racial, em especial a partir da obra de Gilberto
Freyre (Casa Grande e Senzala, 1933).
De
acordo com Nilma Lino Gomes [2005], o mito da democracia racial é um discurso
formulado na sociedade brasileira de que, apesar de toda a violência e racismo,
haveria um convívio harmônico entre as “três raças” formadoras do “povo
brasileiro”: indígena, negra e europeia. A ideia das três raças
já está presente no texto de Von Martius que venceu o concurso do IHGB, na
década de 1840, “Como escrever a história do Brasil”, sendo essa história
conduzida pela liderança dos brancos europeus. Na segunda
metade do século XIX, influenciados pelo darwinismo social, as elites
brasileiras acataram a ideologia do branqueamento, trazendo milhares de
imigrantes europeus, para “uma transfusão de sangue melhor” [Andrews, 2007].
Na década de 1990, os movimentos negros conseguem
a aprovação de leis que instituem o ensino de história da África e cultura
afro-brasileira em diversas cidades e estados. Em 1995, na Marcha Zumbi dos
Palmares contra o racismo entregaram reivindicação ao então presidente,
Fernando Henrique Cardoso. No entanto, a assinatura da lei federal veio só em
2003, com o novo presidente da república, Luis Inácio Lula da Silva.
Sales dos Santos [2005] percebe os méritos,
mas também os problemas na lei, entre eles, o fato de ser muito genérica, não
se preocupar com a implementação, não estabelecer metas para formação de
professores e instalação de disciplinas sobre África nas universidades, enfim,
a lei joga a responsabilidade nos professores. Portanto, a lei indica
sensibilidade às reivindicações históricas dos movimentos negros, mas também
falta de compromisso com sua execução.
A lei 11.645/08 também foi assinada por Lula
da Silva, e, da mesma forma, é uma conquista da mobilização dos movimentos de
resistência indígena. Segundo Maria Aparecida Bergamaschi [2010], a aprovação
da lei se inscreve nas discussões provocadas pela Constituição de 1988, acerca
da diversidade etnocultural, depois também alvo dos PCNs e da LDB, nos anos
1990. A resistência indígena também é longeva – desde que a presença europeia
desestabilizou seus meios de vida, cultura e território, no século XVI, e
forçou a escolha entre duas violências: escravização ou catequização.
Destaca-se a partir dos anos 1970/80, uma forte agência indígena, que vem se
organizando para garantir seus direitos [Monteiro, 1994], que culmina em 2008
com a instituição da obrigatoriedade, nas escolas e ensino superior, da
inclusão da história e cultura indígenas brasileira.
A
aplicação das leis nas escolas
Lorene dos Santos [2013], afirma que ambas as
legislações se inserem no movimento de ampliação de direitos, que começa com a
constituição de 1988, na redemocratização do país. A lei 10.639/03 contempla
reivindicações históricas dos movimentos negros, cobrando uma forma de
reparação aos mais de trezentos anos de escravidão no país. A autora reforça a
importância de trazer para a escola um tema marcado por disputas e
silenciamentos.
Porém, será que a forma como as disposições
das leis entram na sala de aula, de fato, corresponde às expectativas dos
movimentos sociais? Lorene dos Santos, pesquisando escolas no município de
Contagem-MG, encontrou professores
comprometidos em promover uma educação antirracista e que investem em práticas
pedagógicas. Entre os resultados positivos da lei, a autora cita uma melhora na
autoestima dos alunos negros, muitos não se reconheciam e até negavam sua
negritude. Com os estudos sobre África e cultura afro-brasileira, alunas e
alunos começaram a deixar seus cabelos crescerem ao natural, assumindo
penteados afro com orgulho.
Apesar desse aspecto positivo, a pesquisadora
constatou que a escola prioriza a abordagem da cultura afro-brasileira e não a
história da África. Outro problema percebido foi a dificuldade em trabalhar o
tema da escravidão. Santos interpreta isso como um problema na formação dos
professores, que aprenderam esse tema pela perspectiva da vitimização, não
sabendo lidar de outras formas com esse assunto tão importante. Ocorre então
uma abordagem folclorizante, focada apenas na cultura, isolada, não integrada à
abordagem histórica. A relação entre história e cultura é identificada como
grande problema na aplicação da lei pela pesquisadora.
Numa linha parecida, Wilma Coelho e Mauro
Coelho [2013] expõem resultados de pesquisa de em seis escolas da região Norte
do país. A pesquisa revelou que as escolas implementaram atividades que geraram
mudanças no trato da questão étnico-racial, houve alteração na percepção da cor
entre os alunos e uma valorização da identidade negra. Os autores, no entanto,
veem problemas na aplicação da lei: em geral, é o voluntarismo dos professores
que leva às abordagens, e não orientação das secretarias de educação; para os
professores, trata-se da reparação de uma injustiça, por isso acabam focando em
atividades de cunho ético e moral, e não
no enfrentamento dos conteúdos disciplinares; o caráter pontual das
iniciativas, geralmente em novembro, no dia da consciência negra. Os
pesquisadores constataram que a abordagem de conteúdos de história da África
foi superficial, não inseridos de forma a alterar a perspectiva eurocêntrica –
o objetivo central da lei.
Júnia Sales Pereira [2011] divulga pesquisa
realizada com docentes de escolas públicas e privadas de Belo Horizonte. Para a
autora, a edição da lei 10.639/03 ocorreu na esteira do complexo processo de
democratização do país, marcado por reflexões a respeito de desigualdades
históricas que contribuíram para negação de direitos a populações e a pessoas
afrodescendentes.
Pereira ressalta que o racismo é uma prática
aprendida e vivenciada socialmente, com repercussões no cotidiano escolar.
Perguntados se havia racismo em sua escola, alguns professores negaram, dizendo
que brincadeiras e piadas não seriam manifestação de racismo; alguns tratam
como naturais práticas discriminatórias em sala; outros explicitaram situações
de racismo. Quanto aos conteúdos de história da África, houve manifestação de
dificuldade quanto a abordagem das religiões, pois havia rejeição do assunto
por parte dos pais, e de que há preconceito com o tema, como se tratasse de
“macumba”.
Em outro texto, Júnia Pereira [2014] constata
que o anseio da positivação acarreta o risco de levar a história da África “da
ruína a aura”, pois a maioria das atividades propostas nas escolas priorizava
atividades sobre cultura afro-brasileira, no afã de elevar a autoestima dos
estudantes negros. O tema sensível da escravidão, em especial, pela carga de
ressentimento que carrega estaria sendo abordado de forma equivocada ou
simplesmente ausentado das aulas de história. Isso estaria levando, em alguns
casos, a distorções e mitificações da história da África.
Outra importante pesquisa sobre a aplicação
da lei 10.639/03 é a originada da tese de doutorado de Oliveira [2012]. Para o
autor, entre os diversos desafios impostos pela legislação, está principalmente
o da formação dos professores, cujos saberes pedagógicos são marcados pela
ausência da discussão sobre o mito da democracia racial. Os docentes não foram
preparados para lidar com a temática e acabam reproduzindo estereótipos sobre a
África que a lei pretende combater.
Quanto à lei 11.645/08, pesquisas recentes
têm apontado problemas comuns em diversas escolas: a forma fragmentada e
pontual de tratamento da temática indígena; é a
iniciativa de alguns professores que leva à abordagem, não um planejamento
institucional; apesar de terem uma boa formação, suas práticas de ensino eram
limitadas por fatores institucionais, falta de apoio, falta de material
didático, limitações de tempo e espaço para desenvolver de uma forma adequada o
que tinham planejado. Em geral, a questão indígena é abordada de maneira
genérica, os professores não aprofundam a diversidade dos povos indígenas e na
especificidade de determinados grupos.
Russo e Paladino [2016], ao analisar a
aplicação em quatro escolas no Rio de Janeiro-RJ, com 100 professores
pesquisados, constataram que apenas 20% deles nunca havia abordado o assunto.
Isso aponta que o grande desafio da lei em relação à temática indígena não é a
sua inclusão, mas sim a qualificação dessa abordagem, tornando-a mais crítica e
conectada com as demandas contemporâneas dos povos indígenas.
A pesquisa de Oliveira e Goulart [2012], em
Rio Grande-RS, constatou a falta de materiais didáticos adequados, o uso de
livros didáticos ainda com imagens estereotipadas de negros e indígenas, como
vítimas e não agentes da história. As autoras percebem que essas imagens geram
distanciamento em relação aos indígenas (vistos como povos no passado) e
associação da negritude com valores negativos: desesperança, pobreza, preguiça.
Ambas as leis partem do reconhecimento do
multiculturalismo como dado da realidade brasileira, na perspectiva da
interculturalidade e na crítica ao eurocentrismo nos currículos oficiais. O
impacto das legislações dá-se em diversos campos, como na prática de ensino,
nas questões curriculares, na formação docente, nas aprendizagens discentes,
produção de materiais e livros didáticos, na construção de identidades e na
abertura para um ensino de história que rompa com a colonialidade do saber.
O
impacto decolonial e intercultural
Um dos impactos mais significativos da lei
10.639/03 é seu caráter decolonial. Oliveira [2012] destaca esse aspecto da
lei, inserindo seu estudo nos referenciais dos chamados estudos decoloniais. Na
América, é importante citar o grupo Modernidade-Colonialidade, composto por
intelectuais como Walter Mignolo, Aníbal Quijano, Enrique Dussel, Arturo
Escobar, Edgardo Lander e Catherine Walsh, entre outros.
O postulado principal do grupo é que “a
colonialidade é constitutiva da modernidade, e
não derivada” [Mignolo, 2005]. Graças à
colonização das Américas, a Europa enriqueceu, tornou-se poderosa
politicamente, e, no plano do saber, instituiu um modelo único, universal de
conhecimento, destituindo os saberes pré-colonização de sua legitimidade.
Quijano [2005] mostra como o conceito de raça
foi construído pelo olhar europeu, de forma a organizar a divisão do trabalho
no mundo. O trabalho assalariado era destinado apenas ao branco europeu; aos
negros cabia a escravização e aos indígenas a servidão. O autor aborda também o
olhar preconceituoso do europeu, ao englobar toda a diversidade africana na
palavra “negro” e dos indígenas nas Américas no termo “índio”. A ciência
racista europeia do século XIX produziu formas de negação dos “seres
inferiores”, negros e indígenas, ou seja sua desumanização. Ambos foram
escravizados, considerados mercadoria, coisa, propriedade. Essa geopolítica do
conhecimento silenciou os saberes desses outros povos, privilegiando apenas o
europeu.
A lei 11.645/08 também representa um esforço
de ruptura com o eurocentrismo e possibilita um exercício de
interculturalidade. Bergamaschi [2010] afirma que as escolas indígenas
constituem um exemplo para o diálogo intercultural, pois também se ocupam de
ensinar a língua portuguesa e muitos conhecimentos que compõem o que chamam de
“sistema do branco”. Para os indígenas, a escola abre uma passagem entre a
aldeia e o mundo dos brancos, como uma ponte entre o mundo indígena e o mundo
dos não-indígenas. Eles veem praticando um diálogo intercultural desde que os
europeus invadiram suas terras, no sentido de buscar entender o diferente sem
perder suas características étnico-culturais.
Nesse sentido, a aproximação das leis que
instituíram o ensino da história da África e dos indígenas, bem de como suas
culturas, com a teoria decolonial é evidente. Elas postulam uma mudança nos
currículos, de forma que a história desses povos invisibilizados, mas tão
importantes quanto os europeus na formação do Brasil, figure nas salas de aula
país afora. Descolonizar o currículo é contrapor-se às lógicas da colonialidade
do poder, do ser e do saber, na concepção de que há outras experiências
políticas, outras vivências culturais e econômicas e de produção do
conhecimento, imprescindíveis para a educação democrática, intercultural e
decolonial [Marques, Calderoni, 2016].
Para Oliveira [2012], mais do que uma
inclusão de novos conteúdos, as leis trazem o impacto de repensar relações e
estimular procedimentos interculturais que também envolvam um compromisso com o
entorno sócio-cultural da escola. No entanto, o mesmo autor constata que, de
fato, a perspectiva de visibilização de um possível “pensamento outro” [Walsh,
2005], ainda não foi capaz de construir articuladamente, proposições educativas
e pedagógicas para a emergência de uma pedagogia decolonial. A discussão sobre
o tema avançou muito, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Há que se
mudar a formação profissional em História, para que os professores e
pesquisadores possam fazer frente ao desafio decolonial colocado pela lei e
possibilitando, assim, o cumprimento do objetivo maior dessas leis: a superação
do racismo, das desigualdades e do perverso mito da democracia racial.
Considerações
finais
Como vimos acima, é complexo o cenário em
torno das leis 10.639/03 e 11.645/08. Se temos, como mostram as pesquisas
citadas, vários impactos importantes que atingem o ensino de história,
especialmente na formação de professores, elas colocam também os desafios dos
usos públicos do passado, do dever de memória e da história pública, pois é o
clamor da sociedade que coloca uma demanda para historiadores/as e
professores/as de história. Ambas as leis são frutos das lutas dos movimentos
sociais, que clamaram por visibilidade das agências negras e indígenas na
história do Brasil. Entre seus impactos mais importantes, elas convocam o ensino
de história a contribuir para o fim do mito da democracia racial, a romper com
o eurocentrismo no ensino de história e a abrir-se para uma perspectiva
decolonial e intercultural.
Tratar negros/as e indígenas tão
protagonistas da história do Brasil quanto os europeus é um dos objetivos mais
importantes contidos nas duas leis, como vimos, de viés decolonial, de ruptura
com o viés eurocêntrico. O ensino de história ainda tem um caminho longo a
percorrer até atingir esse objetivo, mas ele começou a ser trilhado. Apesar de
retrocessos recentes no país, é importante lembrar: a mobilização dos
movimentos negros e indígenas é forte e o ensino de história já está engajado
na estrada da mudança.
Referências
biográficas
Elenita Malta Pereira é Doutora em História
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Primeiramente gostaria de agradecer pelo excelente texto de extrema importância agregando um valor imenso, ao nossos saberes e formação. Gostaria de saber em referência às mazelas e dificuldades sobre a aplicação da lei 10.639/2003 e a 11.645/2018 quais seriam as melhores formas para obter uma melhor aplicação e eficácia da lei? Porque é um trabalho literalmente tirado pela raiz do nosso ensino eurocentrista, como você disse em seu texto, os professores aprendem em sua escolarização a história da escravidão em contexto de vitimização, e isso se torna um ciclo na hora de ensinar, acredito que obviamente e de uma relevante importância se ter um maior número de formações nessa área principalmente para professores, no ano passado participei de uma a respeito da lei e tinha alguns professores de municípios que foram em busca de saber mais, pois sabem da importância e obrigatoriedade, sabiam que não era algo bom, falar de indígenas e negros apenas um dia no ano e de forma estereótipada e prejudicial à história, Mas quais seriam outras formas de melhor se aplicar a lei? é também senti a dificuldade de professores de outras áreas como as exatas e linguagem em adaptar o conteúdo dentro da sua disciplina, você poderia falar também alguns exemplos de adaptação em referência a culturas africanas, afro-brasileira e indígena em disciplinas como matemática, física ou química? Mas uma vez muito obrigada pela sua incrível colaboração.
ResponderExcluir- Amanda Karem Falcão Da Silva.
Olá Amanda, muito obrigada pela leitura! Em primeiro lugar, para melhorar a aplicação das leis, é preciso um esforço conjunto de governos, dirigentes de escolas e professores, no sentido de: melhorar a formação de professores na área, dentro dos cursos de graduação; investir em materiais didáticos e espaços escolares para desenvolvimento dos trabalhos. No que se refere a outras áreas, é preciso uma formação que forneça aportes das ciências humanas, especialmente da história e literatura, para esses professores. O ideal seria um trabalho conjunto nas escolas, que integrasse os professores de diferentes áreas. Sabemos o quanto é difícil, mas se faz necessária a interdisciplinaridade, em que tod@s sairiam ganhando. Obrigada e um abraço!
ExcluirProfessora Elenita, parabéns pela ótima exposição das leis 10639/03 e 11645/08, colaborando na compreensão aqueles que estudam e pesquisam o tema.Como pontuou no texto, os fatores de estrutura física das escolas e pedagógicas tem impedido o avanço das abordagens étnico-racial. Portanto quais mecanismos podemos utilizar como facilitador ao trabalho de visibilidade e desconstrução de estereótipos relacionados a temáticas acima mencionadas?
ResponderExcluirLucivaine Melo da Silva
Oi, Lucivaine, obrigada! O fator da estrutura física é importante, o ideal seria que cada escola tivesse salas de laboratórios temáticos para tratar esse e outros conteúdos também relevantes. Podemos driblar essas dificuldades usando bem o espaço de nossas salas de aula. Mais importante é que a formação de professor@s seja qualificada, que habilite para superar as limitações apontadas no texto. Por exemplo, fazer uma programação em nossos currículos para trabalhar os conteúdos em várias ocasiões durante o ano, ao lado da história europeia e brasileira, não em separado. Trazer para sala de aula jogos, leituras, filmes, imagens para aprofundar o debate. Praticar e incentivar a igualdade em sala de aula e não permitir jamais racismo, machismo e homofobia nesse espaço também é importante. Abraço
ExcluirProfessora Elenita, parabéns pelo texto! Me identifiquei muito com a narrativa desenvolvida. Trabalhar racismo envolve um processo de desconstrução que é tão longo quanto o de construção. E é muito difícil quando não trabalhamos em conjunto e de forma interdisciplinar. Porque o trabalho é diário, não se centraliza somente na escola, mas em todos os outros ambientes sociais, e isso tem que ser pensado, planejado e cobrado de forma responsável e consciente não só das secretarias de educação, mas dos governantes, dos profissionais de educação, das universidades, dos pesquisadores, da população de uma forma geral. Sou professora de História da Secretaria de Educação do GDF e essas temáticas são centrais em minhas aulas. Elaboro o currículo de História a partir delas. E mesmo não tendo tido uma formação acadêmica, durante a graduação e a pós, considerada adequada em relação à História e à cultura africana bem como à História e à cultura dos povos indígenas, busco me inteirar das discussões que vem sendo realizadas em torno das temáticas, inclusive fiz um semestre em uma disciplina para abordar questões étnico-raciais, porque acho importante pensarmos seriamente sobre a forma que essas questões devem ser trabalhadas em sala,. Fiz, porque entendo a educação como um direito humano, como uma forma de reparar injustiças e, portanto, trabalhar a diversidade é fundamental para defender e resguardar esse direito. E mesmo considerando todo o cenário, com dificuldades e desafios que são destacados em análises sobre a aplicabilidade das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 e que eu conheço pela experiência que tenho em educação básica, acredito que, embora a passos lentos, temos caminhado em ralação às questões étnico-raciais. Acredito também que a aproximação entre academia e escola se faz cada vez mais necessária, seja por meio da formação acadêmica ou por meio da capacitação profissional. Como a senhora, enquanto pesquisadora e professora acadêmica, enxerga os avanços conquistados pelas legislações dentro das universidades? Quais seriam as sugestões para acelerarmos os passos nesse engajamento?
ResponderExcluirLeidiane Lopes de Souza
Oi, Leidiane, muito obrigada pelas palavras amigas e pela leitura. Que bom que você, mesmo não tendo formação específica sobre o tema, não se acomodou e foi atrás do conhecimento. De fato, quem fez graduação antes de 2003 não teve nada sobre o assunto, mas isso não impede que a gente construa conhecimento. Tem tanta coisa na internet, em bibliotecas, hoje em dia, não dá mais para dizer que "não existe material ou bibliografia" sobre África ou história indígena. As universidades avançaram muito mesmo. A presença de alun@s negr@s e indígenas em função da política de cotas trouxe uma diversidade muito rica a esse espaço. Os avanços deveriam ser no sentido de garantir a permanência desses estudantes e políticas de combate ao racismo dentro das universidades (infelizmente ele ainda existe por parte de professores e alunos). O primeiro passo é cobrar dos dirigentes universitários e do governo. Abraços
ExcluirConcordo, professora. O discurso da exclusão é proferido em vários espaços, inclusive dentro da academia, o que é muito triste! A minha trajetória acadêmica foi posterior a 2003, na época, essas disciplinas não eram muito ofertadas ou, quando eram, apareciam como optativas. Mas fico feliz que estamos no caminho da mudança, mesmo com muitas políticas equivocadas por parte de alguns representantes.
ExcluirMuito obrigada pela resposta.
Agradeço pela oportunidade de ler o seu texto, excelente!
ResponderExcluirA partir das lutas indígenas do final do século XX e início do XXI, o imaginário acerca do indígena foi modificando. Por exemplo, as visões de que os indígenas eram sujeitos não históricos e que os povos indígenas estavam em extinção, foram refutadas. Todos esses fatores influenciaram diretamente na necessidade da criação de um aparato jurídico federal que obrigasse as escolas públicas e particulares o ensino de histórias indígenas. Contudo, esse debate não se encerrou com a aplicação da lei 11.645/2008, pois a reflexão ainda é pertinente, visto que se percebem inúmeras falhas e problemas relativos ao seu cumprimento. Ademais, por ser uma implementação relativamente nova, quer dizer, a provação da lei não significa diretamente em uma efetivação rápida dela em nosso país. Embora a legislação assegure o direito de se aprender e ensinar histórias indígenas, a falta de capacitação dos professores e o descaso do Estado com esse compromisso, impedem muitas vezes o êxito e a aplicabilidade da própria lei. Com base nisso, o que você como pesquisadora da temática recomendaria aos professores que não foram introduzidos aos debates sobre história indígena? Por onde começar? Quais bibliografias ler?
Vinícius Bosignari
Oi, Vinícius, obrigada pelo interesse no meu texto. Concordo com o que vc fala, no caso da história indígena interfere muito ainda o racismo e preconceito com nossos povos originários, historicamente construído. O ideal seria que houvesse mais cursos de formação específicos na área, mas podemos ler muita coisa e construir esse conhecimento. Uma das bibliografias fundamentais é o livro História dos índios no Brasil, da professora Manuela Carneiro da Cunha. A antropologia pode ajudar muito nesse sentido. Procure "Negros da Terra" e o que mais achar, do prof. John Manuel Monteiro, referência obrigatória em história indígena brasileira. Também: Os fuzis e as flechas: História de sangue e resistência indígena na ditadura, livro de Rubens Valente.
ExcluirOutros também importantes: FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
DOMINGUES, Ângela. Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do séc. XVIII. Lisboa: CNCDP, 2000.
SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda, 2012.
MATTOS, Izabel Missagia de. Civilização e Revolta: os Botocudos e a catequese na Província de Minas. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
WITTMANN, Luísa Tombini. O vapor e o botoque: imigrantes alemães e índios Xokleng no Vale do Itajaí/SC (1850-1926). Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2007.
A partir desses livros, vc vai encontrar outros mais. Espero ter ajudado. Um abraço.
primeiramente parabéns pelo texto, é uma grande contribuição, principalmente para os dias atuais, tendo em vista a problemática suscitada no decorrer do texto. um dos pontos que dificultam o ensino não apenas da historiografia africana , como também da indígena é a falta de formação suficiente para essa área, que sugestão você indicaria para que essa deficiência fosse driblada no contexto da sala de aula?
ResponderExcluirMirian da Silva Costa
Universidade Estadual do Maranhão
Oi, Mirian, que bom que gostou do texto. Realmente, o ideal seria melhorar a formação de professor@s, como disse em todas as respostas aqui. Para mim, esse é o ponto essencial. Temos que oferecer mais cursos nas universidades, e também fora desses espaços, agora em função da pandemia, o ambiente virtual tem sido muito usado. Agora e depois, penso que a internet deve ser usada nesse sentido. Acho que devemos ler muito e buscar materiais didáticos adequados. Se não achamos, podemos adaptar os que existem ou confeccionar do jeito que possa ser útil a noss@s alun@s. Sobre história indígena, no comentário anterior eu deixei uma bibliografia para começar os estudos. Espero ter ajudado, um abraço.
ExcluirParabéns Professora Elenita Malta Pereira pelo texto e pelo tema. Considero de suma importância as duas leis e percebo que texto trás a questão da história vista de baixo que é algo muito relevante.Gostaria de saber de você o que é preciso para aperfeiçoamento das leis nas universidades e escolas?E por que alguns professores culpam o tempo e não trabalham ou contextualizam a história afro-brasileira e indígena? João Felipe Fagundes
ResponderExcluirOi, João, obrigada! É preciso que a sociedade cobre as universidades e governos para oferecer mais cursos de formação de professor@s. Cursos que partam de uma perspectiva decolonial e questionadora. Quanto aos professores, acho que devem interferir nas suas posturas a formação que tiveram e o racismo estruturante em nossa sociedade. Se observarmos bem, fomos educad@s para sermos machistas, racistas e homofóbicos, pois infelizmente, o padrão do homem branco hétero ainda é a referência do que é "normal", "padrão", os demais são desviantes. Temos que pensar seriamente sobre isso e promover debates com nossos alunos para desconstruir isso. Sei que é difícil, às vezes, é como querer furar uma pedra com água, mas não dá para desanimar. Não podemos nos acomodar, se não tivemos a formação, vamos ler e estudar. Vamos cobrar de nossas escolas, universidades e governantes. Enfim, tanto a história afro-brasileira como indígena são feitas de resistência. Ela deve ser exemplo para nossa atuação como educadores. Bons estudos e um abraço.
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